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💀 CAPÍTULO 9 – MELANCOLIA 

ao som de “Open Your Eyes” – Snow Patrol  

 

O céu está roxo. 
A Terra está prestes a colidir com outra. 
E ainda assim, tem gente sorrindo. 

 

Postando frase motivacional na internet. 
Indo treinar. Foder. Comer até gozar. 

 

Lázaro observa tudo deitado na grama seca de um parque abandonado em Niterói. 
Crianças chutam bola. Um casal se beija com gosto. Um senhor dá alpiste a pombos imaginários. 

 

Ele acende um cigarro. 
Olha o céu derretendo. 
E pensa: 
“Talvez o problema nunca tenha sido o fim do mundo. Mas o fato de que ele continua.” 

 

 

I. A beleza morta 

 

Um homem lindo atravessa a rua. 

 

Tem beleza estética e músculos. 
Pele bronzeada. Dentes perfeitos. 
Gente o admira. Gente inveja. Gente deseja. 

 

Lázaro o encara, imaginando o bronzeado derretendo como cera sob o sol. 
Um bolo de fezes de unicórnio: fofo, perfumado, passageiro. 
Em decomposição invisível. 

 

Se achando a última Coca-Cola da máquina. 

 

Todo corpo bonito é só um caixão bem maquiado. 
Com prazo de validade e processo na justiça. 

 

Cheio de dramas e performance. 

 

Um sumidouro de emoções. 

 

 

II. O feed da vida perfeita 

 

Lázaro tateia o bolso, puxa o celular, como se quisesse confirmar que o mundo ainda é uma farsa. 
Abre o aplicativo. 
Casamentos. 
Filhos nascendo. 
Gente treinando. 
Stories em Fernando de Noronha. 
Todo mundo sendo alguém perfeitinho. 

 

Saudáveis querendo viver para sempre. 

 

Adultos eternamente jovens. 

 

Aquele pessoal que vive num eterno Carnaval. 
Teletubbies de saxofone e bumbo nas mãos. 

 

Ele sente o estômago revirar. 


Como se cada postagem fosse uma bofetada de desconexão. 

 

 

III. A guerra financiada 

 

Noticiário: 
Criança morta por míssil. 
Bairro destruído por bombardeio. 
Balas perdidas acertam bebê no colo da mãe. 

 

Imagens em ULTRA HD. 
Música de fundo dramática. 
Apresentador com gel no cabelo. 

 

Lázaro fecha os olhos. 
Mas o som fica. 
E ele sente: 
o imposto que paga financia a bala que mata.

 

E então chora. 
Não por bondade. 
Mas por impotência. 

 

 

IV. A decomposição cotidiana 

 

Lázaro vê a sociedade e o sistema como um grande lixão gourmet. 

 

As pessoas escovam os dentes com ódio. 
Compram pão com pressa. 
Dizem “bom dia” sem olhar nos olhos. 
Amam por obrigação. 
E gozam com tudo que podem. 

 

Cada alma é um espectro com CPF. 
Cada vida, um teatrinho insuportável de repetições. 
Lázaro escreve um verso no guardanapo, pensando em Messias, que já o bloqueou novamente. 

 

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V. O culto do otimismo 

 

“Vai dar tudo certo.” 
“Pensa positivo.” 
“Gratidão, universo.” 

 

Lázaro lembra de Messias dizendo isso, com um sorriso que escondia promessas quebradas. 
Frases feitas estampadas em canecas, camisetas e mentes ocidentais. 

 

Ele quer quebrar todas. 
Não quer esperança norte-americana ou europeia. 
Quer lucidez em massa. 

 

Porque, às vezes, o que mata não é a dor. 
É o sorriso forçado que a esconde. 

 

 

VI. A festa do fim 

 

Lázaro se imagina acampando no apocalipse. 

 

Barraca montada em frente ao colapso. 
Fogão de acampamento fervendo café. 
Nina Simone tocando numa caixinha JBL. 
Ele, deitado, nu, anotando frases no caderno e com uma florzinha na orelha: 
“Se o mundo acabar amanhã, pelo menos hoje eu escrevi algo sincero.” 

 

 

VII. Fecho – Carta de um sobrevivente 

 

“Se você está lendo isso, é porque ainda não explodiu tudo. 

 

Olhe o céu roxo, sinta a grama seca sob os pés, e para. 
Para de fingir. 
Para de correr. 
Para de se matar por aceitação. 

 

Aceita só isso: que viver é horrível, e mesmo assim você continua, lindo. 

 

Isso te faz estranho? 
Isso te faz forte! 

 

Mas não te faz melhor que ninguém. 
Porque ninguém é melhor que merda quando tudo está podre por dentro. 

 

Ainda assim… 
a gente Vive & Escreve.” 

 

 

[FIM DO CAPÍTULO 9 – MELANCOLIA] 

🕯️ INTERLÚDIO – ENTRE MELANCOLIA E MORTE

ao som de “Closer” – Nine Inch Nails  

 

Lázaro não dorme. 
Não come direito. 
Não fode com prazer. 
Não acorda com vontade, além de morrer. 

 

Ele apenas existe. 

 

Como um ponto de interrogação flutuando numa poça de água parada. 

 

O cigarro queimando entre os dedos. 
A janela embaçada. 
O corpo curvado. 
A alma fora do corpo — batendo ponto em outro plano. 

 

Ele se pergunta se ainda está vivo. 
Ou se apenas parou de morrer por alguns instantes. 

 

Nos grupos de WhatsApp, ninguém nota o silêncio dele. 
No Instagram, ninguém sente falta de seus posts sombrios. 
No mundo, ninguém percebe quando um espectro decide não sorrir mais. 

 

💬 
— “Tá sumido.” 
— “Tô não. Tô só usando capa da invisibilidade social.” 

 

Melancolia já fez o estrago. 
Mas o que vem agora… 
é o sussurro da morte. 
Um flerte gelado com a desistência. 

 

O vazio não grita. 
Ele embala, ele nina. 
Como uma canção triste que ninguém mais canta. 

 

E é nesse vácuo entre um suspiro e outro, 
que Lázaro se pergunta: 

“Será que eu morri e só esqueceram de me enterrar?” 

 

A resposta não vem. 
Só o silêncio. 

 

O próximo capítulo não começa com vida. 
Ele começa com o fim dela.