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[🩸 CAPÍTULO 7 – FÚRIA] 

ao som de “The Dope Show” – Marilyn Manson  

 

📽️ CENA 00 – CÂMERA FIXA. PLANO FECHADO. 

 

Luz quase nenhuma. 

 

Um quarto abafado. 
As paredes descascam. 
No canto do chão, bitucas de cigarro organizadas como orações ceifadas. 
A única entrada de ar é uma portinha na base da parede — por onde desliza um prato raso de comida fria, duas vezes por dia. 

 

Ali, Lázaro. 
Barba por fazer. 
Olhos esbugalhados. 
As pupilas dilatadas pela raiva que fermenta em silêncio. 

 

Ele não grita mais. 
Só observa. 
Conta os dias como quem conta feridas que ninguém vê. 

 

Todos os dias, ele se arruma. 
Toma banho. 
Veste uma roupa digna. 
Aguarda o chamado do INSS. 
A notificação prometida. 
O direito garantido. 

 

Mas nada vem. 
Nunca vem. 

 

Ele segura o laudo médico com os dedos sujos de tinta seca. 
Relê. 
Como se palavras oficiais pudessem protegê-lo da indiferença. 

 

— “Quatro meses esperando uma perícia…” 
— “Quatro meses alimentado por silêncio…” 

 

Ele olha para a câmera invisível que o vigia em sua mente. 
E sorri. 
Um sorriso de quem não vai mais esperar. 

 

Corta seco para: 
INSS. Entrada. Trilha sonora desce como martelo. 

 

🎵 “The beautiful people, the beautiful people…” 

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ao som de “The Beautiful People” – Marilyn Manson 

 

📽️ CENA DE ABERTURA: 


Take 001. Gravado com câmera suja e cortes bruscos.

 

A trilha começa logo com a batida seca desse Maldito. 


Os graves engolem o ar. 
O som de passos em câmera lenta. 

 

Lázaro entra no INSS como quem entra em zona de guerra. 
Rosto limpo. Corpo limpo. Sóbrio. 
Camisa preta de botão, calça escura, óculos escuros. 
Banho tomado, barba feita. 

 

Ele sabe: se parecer minimamente lúcido, não vão acreditar na sua dor. 
Mas ele veio como quis. Sem implorar. 

 

🎥 Corte seco: Lázaro sentado na sala de espera. 
Luz fluorescente. 
Vozes burocráticas ao fundo. 
Uma criança tossindo. 

 

Chamam seu nome. 
Ele entra. 

 

O consultório é branco demais. 
Paredes úmidas. 
Um relógio que não se move.

 

O perito mal o olha nos olhos. 

 

— "Você veio sozinho?" 
— "Sim." 
— "Conseguiu chegar andando até aqui?" 
— "Sim." 

 

Pausa. 
Clique de caneta. 
Fim da perícia. 

 

— "Pode ir em bora." 

 

Dois minutos. 

 

Lázaro sai. 
A sala gira. 

 

🎥 Câmera tremida. 


Tela preta. 

 

No fim do dia, ele entra no site. 

 

A conexão é lenta. A página carrega em fragmentos. Um círculo azul gira sem fim. 
A resposta: indeferido. 

 

Lázaro sente gosto de sangue. 

 

Sem direito a recurso. 
Não pode existir também como doente. 

Ele fecha o notebook com a força de um soco. 
Respira. 
Grita. 

 

“FILHOS DA PUTAAAAAA!” 

 

🎵 Drop da música. “The Beautiful People” engata o refrão. 
A batida se alinha ao batimento cardíaco. 

 

Cena seguinte: 
Lázaro, de volta ao INSS. Mas desta vez… não para pedir. 

 

Para responder. 

 

Lázaro veste preto. 

Ele entra com uma mochila. 
Olhar frio. 
Um fio de sangue seco no canto da boca. 
Botas pretas. 

 

🎥 Câmera subjetiva, visão em primeira pessoa. 

 

Ninguém percebe o monstro que acordaram. 

 

Ele tranca as portas. 
Grita: 


— “EVACUEM. TODO MUNDO PRA FORA.

SÓ FICA O PERITO, ESSE FILHO DA PUTA IMUNDO!

ESSE VAI MORRER HOJE PARA O BEM DO PAÍS” 

 

A multidão corre. 
Gritos. Papel voando. 

Cadeiras e coisas caindo. 
Carimbos no chão. 

Lázaro avança sobre os computadores. 
Joga álcool. 
Taca fogo. 

 

O cheiro de plástico derretido. 
O alarme toca. 
Mas ninguém vem. 

Estado ineficiente. 

Cidades doentes. 

 

Ele encurrala o perito na sala. 

Tentando se esconder feito um rato. 
Olha nos olhos dele pela segunda vez.

 

— “Você me viu e me julgou só por eu não parecer miserável o suficiente, né?” 
— “Eu só cumpro ordens…” 
— “E pra seu azar eu só cumpro promessas por um futuro melhor.” 

 

🎥 Slow motion: Lázaro quebra a mesa com uma barra de ferro. 

 

Pega o parecer do dia. 
Rasga. 
Come. 
Engole. 
Cospe. 

 

Depois, joga gasolina no chão. 
Raspa o fósforo com a unha. 

 

🎥 Corte seco. Tela preta. 
Som de sirenes ao fundo com guardas correndo.

 

Mas antes que o fósforo toque o chão —

 

CORTA. 
Vemos Lázaro apenas sentado no escuro de seu quarto. 
Sozinho. 
Tremendo. 

Desejando profundamente Morte & Vingança. 

 

Era só um delírio de Fúria. 
Um plano B macabro. 
Um filme interrompido. 

 

Mas o grito está lá. 
Preso na garganta. 
Esperando o próximo gatilho disparar. 

 

🎵 Refrão final: 
🎵 “It’s not your fault that you’re always wrong…” 

 

E ele ri. 
Porque, às vezes, imaginar a explosão 
é a única forma de continuar vivo. 

 

Lázaro ainda respira. Mas cada batida agora carrega pólvora. 

🪞 INTERLÚDIO – ENTRE FÚRIA E CETICISMO

ao som de “Somebody Someone” – Korn 

 

Depois de quebrar tudo por dentro, 
vem o silêncio. 

 

A raiva some devagar, 
como sangue escorrendo pelo ralo depois do banho. 

 

O corpo cansa. 
A mente trava. 

 

Você olha ao redor e se pergunta: 
"Adiantou alguma coisa?" 

 

A fé virou fumaça. 
A justiça parece uma farsa encenada por cadáveres engravatados. 
A esperança dorme com o inimigo. 

 

E então surge a pergunta que assombra os que já queimaram a própria fé: 

 

Será que existe mesmo alguma coisa lá em cima? 
Ou é só a gente aqui embaixo, enlouquecendo bonito? 

 

Lázaro acende um cigarro que não queria fumar. 
Olha pro céu esperando um sinal. 
Mas só vê satélites, drones e aviões. 
Nenhum anjo, nenhum cometa, nenhuma resposta. 

 

É nessa pausa entre o grito e a descrença, 
que o ceticismo nasce: 

 

Não como revolta. 
Mas como resíduo. 

 

O eco que sobra 
depois que a fúria 
destruiu até o altar.