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⚡️ CAPÍTULO 6 – ADRENALINA 

Câmera lenta. 

Era uma noite fria. 
A cama desarrumada. 
Lázaro, 40 anos, deitado de barriga pra cima. 
A luz da tela do celular reflete no seu rosto suado. 

 

A festa de aniversário foi linda. 
Bolo de chocolate com chantilly negro. 
Família unida e emocionada. 
Dois amigos íntimos queridos — os que nunca faltam. 

 

E agora, silêncio. 
Uma notificação brilha. 

 

📩 Mensagem recebida: link de um processo judicial do Texas. 
📂 Réu: Messias A. Oliveira 
📂 Autor: Syd Henderson 

 

Lázaro clica. 

 

O PDF carrega. 

 

Nos autos, lê: 

 

  • Três processos em três estados. 
  • Acusação de tentativa de apropriação de bens: carro, cachorro, eletrodomésticos e objetos de valor emocional. 
  • Documento com o depoimento oficial de Messias: 

 

“Eu só queria um recomeço. Syd me tratava como um inútil de pau grande.” 

 

Lázaro ri alto.

Quase se engasga com o café. 
Um riso cheio de dentes e alívio. 
Aumenta o som no fone com Nina Persson. 

 

🎵 I don't know what you're looking for... 
🎵 You haven't found it baby, that's for sure… 

 

O celular vibra de novo: 


Link para o site de uma livraria americana. 
Messias lançou um livro – aquele puto nem sabe escrever. 
500 páginas escritas com inteligência artificial – pensou. 
Título: “Fénix: Renascendo das Cinzas” – ele gargalhou. 

 

Lázaro entra. 
Rola a página. 
Ninguém comentou ainda. 
Nenhuma resenha. Nenhuma curtida. 

 

Ele escreve o primeiro, tomado por adrenalina: 

 

📝 Comentário de Lázaro [1 estrela]: 

 

“Uma obra-prima ao retratar o fim da boa vida de um sugar boy paulistano. Profundamente superficial e medíocre. Um reflexo honesto de um homem que sempre soube manipular a pika para ocultar seu vazio e falta de caráter. Parabéns, você conseguiu se superar: conseguiu escrever 500 páginas sem dizer nenhuma verdade sobre você, sua obra mais honesta por isso. Agora, a vida está te dando o troco, bb. Boa sorte com a justiça do Texas, querido. Beijos.” 

 

Envia. 


Fecha o notebook devagar. 

 

Pausa dramática. 

 

As mãos tremendo de tensão. 

 

Tinha esperado 10 anos por isso. 

 

Silêncio. 

 

🎵 My heart keeps skipping a beat… 

 

Ele se levanta. 

Cabeça girando à mil. 

Pega o celular. 
Liga para seu advogado. 

 

📞 
— “Dr. Uma dúvida. Se eu comentar uma verdade sobre alguém que eu vigio há mais de 10 anos eu posso ser processado como stalker?” 
— “Depende. Você assinou?” 
— “Claro que assinei.” 
— “Que merda, cara. Me manda o print.” 
— “Já te mandei. E, te amo.” 

 

Tela preta. 

 

Fade out com o refrão de Nina Persson explodindo nos fones: 


🎵 My favourite game… 
🎵 My favourite game… 
🎵 My faaaaaavourite gaaaame… 

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ao som de “Spit” – Kittie + “Born Slippy” – Underworld

 

O corpo não aguenta mais ficar parado. 
O texto grita. 
A alma ruge. 

 

Lázaro escreve como quem enfia a faca com elegância. 

 

Escreve como quem goza com sangue na língua e na mente. 

 

Escreve como quem dança pelado no meio da BR 101 às 3 da manhã só pra provar que ainda tá vivo no meio do frio. 

 

Escreve sem pontuação. 

 

Porque a vírgula virou freio. 

 

E ele não quer mais frear. 

 

 

I. Criação em transe 

 

Quando escreve, Lázaro entra. 

 

Transcende. 

 

Cava o próprio túmulo com palavras dilacerantes. 

 

Se afoga no próprio texto. 

 

Se entrega a frases que cheiram a rosa, suor, sal e gilete. 

 

E sai do outro lado renascido, suado, tonto, curado por minutos.

 

Criar é ritual. 


Criar é droga. 

 

Criar é manual de sobrevivência. 


Criar é como morrer por controle remoto e voltar antes do enter. 

 

 

II. Morrer em festa 

 

Fantasia número 7: 

 

Organizar a própria morte como quem organiza uma despedida de solteiro. 

 

Uma rave de jazz secreta, só pros íntimos. 


Os que ficaram.

 
Os que amaram. 

 

LSD e baseado na entrada. 


Espumante pra batizar. 

 

Uma pista de dança com poemas nas paredes e vídeos caseiros da infância editados ao som de Björk. 

 

Ele se despede em transe. 


Dança de olhos vendados. 


Se despede de cada um com beijo na boca carregado de MD e uma palavra mágica. 

 

Depois… 

 

entra nu no mar com pedras nos bolsos e diz: 

 

“me deixem aqui, tá tudo certo.” - e afunda. 

 

 

III. O desejo de vingança 

 

Messias o trocou por um sugar daddy gringo. 

 

Sua piroca abre caminhos. 

 

De terno bem cortado, green card e passaporte europeu. 

 

Lázaro? 
Continuava aqui. 
Bipolar. 

Solteiro. 
Brasileiro. 
Queer. 
Pobre. 

 

A adrenalina da vingança subia cada vez que via as fotos. 

 

Paris, Veneza, Cape Town. Essa puta não parava. 

 

E ele, na Lapa, suando entre mendigos e beatmakers. 

 

Lázaro queria gritar: 

 

— "Você me trocou por conforto, seu covarde estético!" 

 

Mas só escrevia. 

 

Porque escrever era a única forma de vingança que ele dominava. 

 

E sabia que um dia… 

 

Messias ia se ver num conto arrombado, 
com o cu na mão, 
jogado fora como ele um dia foi, afinal 

juventude passaria e as pikas maiores, 

sempre vencem no final. 

 

 

IV. O corpo no limite 

 

Adrenalina também era isso: 

 

Correr por entre carros na ponte Rio-Niterói só para um pulo fatal. 

 

Fazer sexo em escadaria com alguém que mal lembra o nome, mas reconhece o perfume. 

 

Enfrentar policial em blitz com sua cara de branco, carregado de drogas e pupilas dilatadas, passando impune e sorridente só por ser invisível, bruxão. 

 

Dizer sua opinião ácida e impopular em público, com convicção. 

 

Ligar pra ex-amigo só pra dizer: 
“eu ainda tô vivo, cuzão.” 

 

 

V. A profecia de si 

 

Lázaro não queria só viver. 

 

Não nasceu para ser escravo do mercado, nem do governo. 

 

Ele queria ferver e desaparecer rápido. 

 

Queimava tudo ao redor só para ver o que sobrevivia ao seu calor. 

 

Porque viver em paz parecia tédio demais. 

 

Ele queria viver em estado de Transe & Arte. 

 

E isso, às vezes, significava morrer um pouco várias vezes, todo dia. 

 

Pra nascer e renascer em cada texto, 
em cada surto, 
em cada fúria lúcida, 

como um profeta punk de si mesmo. 

 

 

[FIM DO CAPÍTULO 6 – ADRENALINA] 

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🧷 INTERLÚDIO – ENTRE ADRENALINA E FÚRIA

ao som de “Bring Me To Life” Evanescence 

 

Dr. Sávio entra.

 
Terno meio amarrotado, olhar de quem já viu coisa demais. 

 

— "Lázaro…" 

 

— "Fala, doutor." 

 

— "Recebi o print. Li tudo. Aquela frase do ‘sugar boy’ é ouro sujo, parabéns." 

 

— "Mas…?" 

 

— "Mas tem um detalhe. Eu fui até o site e o único comentário publicado é de um tal de... Raphael Santoro. Você me enganou?" 

 

Lázaro acende um cigarro com a ponta do dedo tremendo de satisfação. 

 

— "Claro que não, doutor. Raphael Santoro... é Messias. Quer dizer, era o nome de guerra dele, sabe. Quando ele morou em Londres e se prostituía feito uma cadelinha no cio enquanto dizia que fazia arte e intercâmbio." 

 

Dr. Sávio para. Olha fixo. Desacredita. 

 

— "...Você tá falando sério?" 

 

— "Sim. Ele fazia filme pornô pra uma produtora de Berlim. Gay. De fetiche. Vi ele em pelo menos três vídeos. Rodeado de caras com paus gigantes, transando no automático, o olhar vazio de substâncias." 

 

— "Jesus Cristo..." 

 

— "Não. Raphael Santoro." 

 

— "Então... o nome do comentarista ser esse..." 

 

— "... é uma cutucada na jugular, doutor. Só Messias vai entender que fui eu. O mundo dá voltas, mas só ele vai saber que foi eu. E não vai poder provar." 

 

O advogado abre a boca. Fecha. Ri. Coça o queixo. 

 

— "Rapaz, você é completamente maluco." 

 

— "Mas tô limpo judicialmente, né?" 

 

— "Tão limpo quanto alguém que cavou a cova do ex com comentário anônimo." 

 

Pausa. 

 

— "Relaxa, doutor. Esse foi só o prólogo. O inferno mesmo...

começa no próximo capítulo."