🎧 ao som de “Bitter Sweet Symphony” – The Verve
📍Interior / Quarto simples / Manhã cinza
A câmera passeia devagar.
Um quarto desarrumado, com livros empilhados, plantas sobreviventes, um varal de roupas no teto.
No canto, Lázaro — de cueca e moletom velho — está deitado no chão, cercado por folhas soltas, cadernos abertos, canetas falhadas, filtros de cigarro e um copo com café frio.
A TV está ligada no mudo.
Chove.
Muito.
🎵 Ao fundo, começa “Bitter Sweet Symphony” em versão instrumental.
Lázaro olha pro teto como quem busca Deus.
Mas ao invés de rezar, ele sussurra:
— "Poeta não nasce, vaza, escorre, derrete."
Ele senta.
Pega uma folha qualquer.
Rasurada.
Sangrada.
Escreve uma frase com a letra trêmula:
— “A palavra é a única forma que encontrei de não morrer calado.”
A câmera se afasta, enquanto ele segue escrevendo —
devagar, como quem sutura o próprio peito com tinta.
Fade out.
Lázaro aprendeu a viver entre palavras como quem vive entre ruínas —
cuidadosamente, desviando dos escombros,
erguendo abrigos com versos soltos.
“A poesia foi a única forma de dizer o que eu nunca soube explicar.”
Ele escreve com a carne.
Escreve com a dor.
Escreve pra existir sem pedir permissão.
Cada cicatriz é uma estrofe.
Cada surto, um capítulo.
Cada silêncio, uma vírgula no meio do grito.
Lázaro aprendeu que seu corpo também escreve.
Com o jeito que se move.
Com o olhar cansado.
Com a boca que diz pouco, mas quando diz... corta.
“Me leiam com calma. Sou um poema visceral.”
No copo de café: metáfora.
Na feira livre: rima torta.
No barulho dos ônibus: poema-concreto.
Lázaro vê beleza onde ninguém vê.
E transforma lixo em símbolo,
dor em ponte,
nada em narrativa.
Num mundo que idolatra o polido,
ser feio com propósito é revolução.
Lázaro não busca beleza.
Ele busca verdade.
Busca ruído, fissura, os errinhos de digitação da alma.
“A poesia que me habita não quer like.
Quer deixar hematoma.”
A arte, pra ele, é rota de fuga.
Não vende bem, mas salva quem tá afundando.
É o grito do feio que ninguém quis ouvir.
É mijo no muro grafitado com amor.
Não há estética.
Há sintoma.
E o poema é a radiografia do que o mundo tenta esconder com filtro.
Lázaro escreve com o sangue de seus mortos.
Com os dedos de Clarice, o olho de Rimbaud,
o riso debochado de Leminski,
o suspiro ácido de Hilda.
Mas também escreve com o suor da quebrada.
Com a fala do motoboy.
Com o palavrão da tia evangélica.
Com o gemido de quem finge dormir.
A poesia não salvou Lázaro.
Mas deu a ele uma escada de palavras
pra sair do buraco com mais estilo.
“Talvez eu ainda caia.
Mas vou cair numa metáfora bonita.”
“Se você me lê, é porque também sangra & sente.
E se sangra, é porque ainda pulsa.
E se pulsa, bem... então que seja bonito, bb.
Mesmo que triste.
Mesmo que torto.
Mesmo que ninguém aplauda.
A poesia não quer plateia.
Quer partilha.”
🎧 ao som de “Erotica” – Madonna
O corpo também escreve.
Com gozo, saliva, desejo e ausência.
O corpo é poema sem gramática.
É letra que escorre.
É metáfora sem pudor.
Lázaro fecha o Moleskine.
Deita.
Desliza a mão entre as pernas.
Mas não é punheta —
é rito.
É busca.
O toque é verso sujo.
O arrepio, pontuação.
O gemido abafado, um hiato no grito de quem vive.
Entre o cigarro e o espelho,
o corpo dele sussurra histórias que ninguém publicou.
Histórias com cheiro de suor,
eco de gemido antigo,
e desejo engasgado de ser amado sem filtro.
A poesia agora tem pele.
Tem dente.
Tem gosto.
E vem aí com o peso de um capítulo final,
inteiro, quente, ereto:
PORNOGRÁFICO.