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[🪶 CAPÍTULO 19 – POÉTICO] 

🎧 ao som de “Bitter Sweet Symphony” – The Verve 

 

📍Interior / Quarto simples / Manhã cinza 

 

A câmera passeia devagar. 
Um quarto desarrumado, com livros empilhados, plantas sobreviventes, um varal de roupas no teto. 
No canto, Lázaro — de cueca e moletom velho — está deitado no chão, cercado por folhas soltas, cadernos abertos, canetas falhadas, filtros de cigarro e um copo com café frio. 

 

A TV está ligada no mudo. 
Chove. 
Muito. 

 

🎵 Ao fundo, começa “Bitter Sweet Symphony” em versão instrumental. 

 

Lázaro olha pro teto como quem busca Deus. 
Mas ao invés de rezar, ele sussurra: 

 

— "Poeta não nasce, vaza, escorre, derrete." 

 

Ele senta. 
Pega uma folha qualquer. 
Rasurada. 
Sangrada. 
Escreve uma frase com a letra trêmula: 

 

— “A palavra é a única forma que encontrei de não morrer calado.” 

 

A câmera se afasta, enquanto ele segue escrevendo — 
devagar, como quem sutura o próprio peito com tinta. 

 

Fade out. 

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I. A palavra como lar 

 

Lázaro aprendeu a viver entre palavras como quem vive entre ruínas — 
cuidadosamente, desviando dos escombros, 
erguendo abrigos com versos soltos. 

 

“A poesia foi a única forma de dizer o que eu nunca soube explicar.” 

 

Ele escreve com a carne. 
Escreve com a dor. 
Escreve pra existir sem pedir permissão. 

 

 

II. O corpo poético 

 

Cada cicatriz é uma estrofe. 
Cada surto, um capítulo. 
Cada silêncio, uma vírgula no meio do grito. 

 

Lázaro aprendeu que seu corpo também escreve. 
Com o jeito que se move. 
Com o olhar cansado. 
Com a boca que diz pouco, mas quando diz... corta. 

 

“Me leiam com calma. Sou um poema visceral.”

 

 

III. O cotidiano como verso oculto 

 

No copo de café: metáfora. 
Na feira livre: rima torta. 
No barulho dos ônibus: poema-concreto. 

 

Lázaro vê beleza onde ninguém vê. 
E transforma lixo em símbolo, 
dor em ponte, 
nada em narrativa. 

 

 

IV. A estética da ruptura 

 

Num mundo que idolatra o polido, 
ser feio com propósito é revolução. 

 

Lázaro não busca beleza. 
Ele busca verdade. 
Busca ruído, fissura, os errinhos de digitação da alma. 

 

“A poesia que me habita não quer like. 
Quer deixar hematoma.” 

 

A arte, pra ele, é rota de fuga. 
Não vende bem, mas salva quem tá afundando. 
É o grito do feio que ninguém quis ouvir. 
É mijo no muro grafitado com amor. 

 

Não há estética. 
Há sintoma. 
E o poema é a radiografia do que o mundo tenta esconder com filtro.  

 

 

V. A herança dos poetas vivos e mortos 

 

Lázaro escreve com o sangue de seus mortos. 
Com os dedos de Clarice, o olho de Rimbaud, 
o riso debochado de Leminski, 
o suspiro ácido de Hilda. 

 

Mas também escreve com o suor da quebrada. 
Com a fala do motoboy. 
Com o palavrão da tia evangélica. 
Com o gemido de quem finge dormir. 

 

 

VI. A poesia como salvação parcial 

 

A poesia não salvou Lázaro. 
Mas deu a ele uma escada de palavras 
pra sair do buraco com mais estilo. 

 

“Talvez eu ainda caia. 
Mas vou cair numa metáfora bonita.” 

 

 

VII. Fecho – Carta Poética para quem ainda sente 

 

“Se você me lê, é porque também sangra & sente. 
E se sangra, é porque ainda pulsa. 
E se pulsa, bem... então que seja bonito, bb. 
Mesmo que triste. 
Mesmo que torto. 
Mesmo que ninguém aplauda. 

 

A poesia não quer plateia. 
Quer partilha.” 

🌒 INTERLÚDIO — entre POÉTICO → PORNOGRÁFICO

🎧 ao som de “Erotica” – Madonna 

 

O corpo também escreve. 
Com gozo, saliva, desejo e ausência. 
O corpo é poema sem gramática. 
É letra que escorre. 
É metáfora sem pudor. 

 

Lázaro fecha o Moleskine. 
Deita. 
Desliza a mão entre as pernas. 
Mas não é punheta — 
é rito. 
É busca. 

 

O toque é verso sujo. 
O arrepio, pontuação. 
O gemido abafado, um hiato no grito de quem vive. 

 

Entre o cigarro e o espelho, 
o corpo dele sussurra histórias que ninguém publicou. 
Histórias com cheiro de suor, 
eco de gemido antigo, 
e desejo engasgado de ser amado sem filtro. 

 

A poesia agora tem pele. 
Tem dente. 
Tem gosto. 
E vem aí com o peso de um capítulo final, 
inteiro, quente, ereto: 

 

PORNOGRÁFICO.