🎧 ao som de “Closer” – Nine Inch Nails
O ventilador gira lento no teto rachado.
O lençol amassado parece cenário de um campo de batalha íntimo.
Lázaro e Messias estão nus, grudados de suor, com os corpos entrelaçados como raízes que sabem que serão arrancadas.
Não há pressa,
mas há urgência.
O tempo ali não é cronológico —
é pele, é gozo, é o agora.
Messias lambe o olho de Lázaro como quem marca território.
Lázaro morde o lábio como quem antecipa o abandono.
Eles transam como quem se despede sem saber.
Com beijos que ardem, mãos que tremem, e gemidos que dizem:
“Fica mais um pouco. Mesmo que já esteja partindo.”
Depois do gozo, o silêncio.
Lázaro acende um cigarro.
Messias vai checar suas redes sociais.
— “Você me ama?”, pergunta Lázaro, encarando o teto, suado e vulnerável.
— “Claro que amo”, responde Messias, virando de lado, sem encarar.
— “Então por que você olha pro mundo como se eu fosse pouco pra caber nele?”
Messias não responde.
Mas no fundo do olho dele… já tinha outro passaporte, outro amante.
Naquela noite, Lázaro não dormiu.
Gravou cada gesto, cada cheiro, cada beijo,
como quem grava uma cena proibida antes do mundo censurar.
Na manhã seguinte, a cama estava fria.
E o amor, bloqueado por aplicativos.
O que é mais pornográfico do que uma criança chorando de fome em 2025?
O que é mais indecente do que um influencer ganhando milhões por publi
enquanto mães cavam lixo no entorno de Brasília?
A verdadeira pornografia é geopolítica.
É o mapa da desigualdade desenhado com sangue.
É o Brasil jogando comida fora enquanto gente morre por um prato.
📊 828 milhões de pessoas com fome no mundo.
📊 1 a cada 3 brasileiros em insegurança alimentar.
📊 Milhões gastando em jogos e apostas.
E a gente ainda chama peito de mulher de conteúdo sensível?
“Não sou racista, tenho até amigos pretos.”
“Mas ele fala tão bem, né?”
“É vitimismo demais.”
Essa é a pornografia mais aceita:
um branco falando manso enquanto esmaga a dignidade alheia
com selo azul de verificação.
Eles matam pretos todos os dias.
Matam com bala, com descaso, com silêncio.
E você aí, achando que nude é o problema.
Empresas lucram com dor.
A guerra é um filminho 4K com patrocínio e trilha sonora.
Tem gente vendendo lágrima em NFT.
O mercado ama a tragédia.
Faz campanha com criança mutilada em Gaza.
Usa preto empobrecido em publicidade antirracista.
Faz marketing com a tua morte.
Com a tua dor.
Com o teu desespero.
Isso sim é pornô — e hardcore.
No Xvideos: buceta.
No Instagram: bunda.
No Tinder: ego.
Na DM: piroka.
Tudo virou produto.
Corpo virou story de 15 segundos.
Afeto virou PIX.
Transamos sem olho no olho. É gozo por gozo!
Ego se esfrega em ego.
Carne se esfola por carência e atenção.
E depois some, bloqueia, arquiva, silencia
.
Fuder não é mais transar.
É consumir o outro.
Roubar por um cordão?
Por um iPhone?
Por um tênis?
Moto ou carão?
É feio.
É errado.
Mas e o mercado que cobra R$ 10 mil em um celular?
E a favela que não tem nem internet estável?
A violência é filme pornô diário:
tem roteiro, tem vilão, tem sangue e clímax.
E a gente assiste tudo no sofá com açaí de R$ 30 no colo.
A timeline virou puteiro.
Mas não um puteiro bom, ético e libertador.
Virou casa de horrores onde todo mundo goza raiva.
Comentam ódio como se fosse selfie.
Chamam gente gorda de porca.
Chamam travesti de aberração.
Chamam autista de mimado.
E dizem que estão só "opinando”.
Mas a verdadeira pornografia
é esse gozo público da crueldade cotidiana.
“Se você chegou até aqui,
é porque ainda intuí.
Sente que tem algo podre.
Algo podre nos algoritmos.
Nos jornais.
Nos palácios.
Nos escritórios e templos.
A pornografia não é o nu.
É o cinismo.
É o sistema gozando na sua cara
enquanto te proíbe o uso livre do corpo adulto.
E a única resposta possível...
é cuspir poesia no meio dessa orgia porca do capital.”
🎧 ao som do silêncio pós-festa, da cidade adormecida, do coração batendo baixo
Depois de tantos gritos,
vem o sussurro.
Depois de tantos capítulos,
vem o vazio fértil onde nascem novos começos.
Lázaro não tem mais pressa.
Nem respostas absolutas.
Nem promessas de que tudo vai melhorar.
Ele carrega só o corpo.
O corpo cheio de cicatrizes, memórias, poesias & tatuagens invisíveis.
O corpo que caiu & levantou-se.
Que gozou & gritou.
Que amou & sobreviveu.
O corpo que agora caminha leve,
mesmo ainda doendo —
porque aprendeu que o peso da vida se move melhor quando partilhado.
Na beira do mundo, Lázaro respira.
Sente o cheiro de chuva no concreto.
O vapor quente do café na xícara lascada.
O toque da brisa em sua nuca suada.
E sorri.
Não por felicidade plena.
Mas por gratidão crua.
Por ainda estar aqui.
Por ainda poder escrever a próxima página.
Porque tudo isso —
toda essa porra de vida —
foi só o primeiro livro.
E amanhã, se o mundo não acabar,
ele começa outro.
📖
🎧 ao som de “Bachianas Brasileiras Nº 2 - IV. Tocata (O trenzinho do caipira)” – Villa-Lobos
Lázaro não morreu.
Mas também não voltou a ser frágil.
O menino ansioso que esperava um Messias já não vive ali.
O homem-fratura que sangrava palavras ainda está —
mas agora sabe estancar com poesia.
Lázaro atravessou 20 portais.
Cada um, uma morte parcial.
Cada um, um renascimento torto.
Aprendeu que quem não sabe morrer, não sabe viver.
Aprendeu que amar não é promessa,
que fé não é moeda,
que arte não é mercado.
Aprendeu a viver fora dos algoritmos,
fora dos espelhos,
fora da aprovação.
Não é herói.
É resíduo.
É ruína sagrada.
É glitch no sistema.
Hoje, ele escreve com calma.
Fuma seu baseado com menos culpa.
Ama com mais critério.
E acorda, ainda, às vezes sem querer —
mas levanta, sempre.
Lázaro entendeu que
existir é um experimento.
Que o caos é método.
E que só a beleza crua, a amizade que resta,
e o autocuidado sujo e insistente
mantêm a gente aqui.
Últimas palavras de Lázaro (em voz baixa, como um segredo):
"Se você leu até aqui, então... você me ressuscitou."
"E por isso, meu bem, você também é milagre."
"Vai. Vive. Escreve sua vida!"