🎧 ao som de “Feeling Good” – Nina Simone
Exterior – Madrugada em Niterói.
A câmera acompanha Lázaro de costas.
Ele caminha descalço pela calçada úmida de Itaipu,
com uma xícara de café fumegante numa mão
e uma pasta de documentos na outra.
O céu ainda está escuro, mas há traços de rosa no horizonte.
As luzes dos postes piscam como se saudassem sua passagem.
Ele veste um moletom cinza folgado,
óculos escuros apesar da hora,
e carrega no passo o peso leve de quem não precisa mais provar nada.
📍Ele para diante do mar.
Respira fundo.
O vapor do café sobe.
A câmera foca em seu rosto calmo, envelhecido com dignidade.
Olhos cansados, mas vivos.
Ele tira da pasta uma folha com timbre oficial:
“CNPJ: Atividade formal como MEI — Escritor e roteirista autônomo”
Logo abaixo:
💰 PIX Recebido com Sucesso.
💬 Valor: R$ 12.000,00 – Serviço: “Roteiro original para longa-metragem”.
Lázaro ri. De leve. Sincero.
Fuma um último trago do baseado.
Depois o apaga com o dedo molhado no mar.
📍Corte lento:
Ele olha pro céu e diz, sem alarde:
— “Mais um pra conta do cafézinho.”
📍Fade para o branco.
A trilha ganha volume.
Os créditos do capítulo aparecem na tela como uma epifania cotidiana.
🎵 “It’s a new dawn, it’s a new day, it’s a new life… for me…”
Lázaro agora acorda cedo.
Mas não por obrigação,
nem por alarme, treino,
nem por culpa.
Acorda porque quer.
Porque o texto pulsa.
Porque a ideia chama.
Porque o dinheiro agora vem do que ele ama:
📖 Escrever & Criar.
Livros, roteiros, contos como um fantasma —
ele vende palavras e ações que salvam.
Ganha o pão como quem conjura feitiço hitech.
E isso…
é a liberdade que ele sempre sonhou.
Não quer sair.
Não quer transar.
Não quer ser conformado com dopamina barata.
Não quer se vender pra conseguir atenção de gente abobalhada.
Lázaro agora diz "não" com tranquilidade.
Sem riso forçado,
sem trauma antigo gritando.
Diz "não" como quem diz "eu me respeito, mané".
E isso é revolução.
Durante anos,
Lázaro viveu com menos do que precisava.
Pulando refeições.
Escolhendo entre remédio ou aluguel.
Hoje ele paga tudo à vista.
Com dinheiro vindo da própria mente.
Não virou rico.
Mas respira bem — obrigado.
E pagar boletos sem entrar em pânico…
é um tipo de orgasmo silencioso dos adultos.
Orgulho quietinho, sabe.
Um homem gay.
De meia-idade.
Não malhado. Não festivo.
Não precisa mais performar tesão em aplicativos.
Não precisa mais fingir ser o jovem que já não é.
Ele ama a si mesmo como se ama um amigo de infância:
Com memória, com perdão, com ternura.
Sexo?
Só se vier com alma, com entrega, com olho no olho, tesão verdadeiro.
Caso contrário…
ele prefere o travesseiro & Netflix.
Lázaro não quer palco.
Quer propósito.
Não escreve, nem cria nada pra impressionar.
Mas cria e escreve pra sangrar bonito, com autenticidade.
E se alguém se emocionar,
ótimo.
Mas se ninguém ler, ouvir ou assistir,
tudo bem também, meu bem.
Porque ele sabe:
liberdade é fazer o que ama,
sem precisar de aplauso, tá ligado?
Lázaro já foi de tudo:
Católico, evangélico, espírita, ateu, místico, descrente, raveiro esotérico.
Hoje ele só acredita no que sente.
Fuma seu baseado como quem ora.
Acende vela como quem envia e-mail pro além.
E agradece ao SUS todos os dias —
seu templo, seu altar, sua cruz.
Liberdade é não precisar mais de um Deus que o castigue.
É inventar um divino que o abrace a cada segundo.
Liberdade não é passaporte.
Não é carro, não é casa, não é fama,
não é poliamor, não é trocar a toda hora.
Liberdade é presença.
É o corpo inteiro no agora.
É a recusa de tudo por uma escolha.
É olhar o céu nublado de Niterói
com uma xícara de café na mão
e pensar:
“Eu tô aqui. Eu tô bem.
Eu sobrevivi. E agora…
sou eu que escolho o próximo passo.”
[FIM DO CAPÍTULO 16 – LIBERDADE]
🎧 ao som de “Midnight City” – M83
Depois da liberdade, vem o êxtase.
Não o êxtase dos comerciais de carro.
Nem o êxtase das orações prontas.
Mas o êxtase cru: aquele estado alterado entre corpo e espírito,
onde a realidade escorre pelas bordas do tempo.
Lázaro acende o baseado com a brisa da manhã batendo na cara.
Olha o céu de Niterói e pensa que a vida é um loop de sensações não nomeadas.
Respira fundo.
Treme leve.
Sorri de canto.
É como se o mundo finalmente calasse a boca.
E ele pudesse ouvir a própria vibração interna:
um zumbido doce que atravessa os ossos e canta em código.
O corpo não pede mais explicação.
Só ritmo.
Só presença.
Só a dança silenciosa do agora.
Ali, entre a última frase digitada e o primeiro passo para o nada,
começa o transe.
E Lázaro não vai recuar.
Ele vai entrar inteiro.
Vai ser a batida.
Vai ser o fogo.
Vai ser o texto que escreve a si mesmo em tempo real.