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[⚡ CAPÍTULO 15 – RESILIÊNCIA] 

ao som de “Running Up That Hill” – Kate Bush 

 

Som ao fundo: 
🎵 “It doesn't hurt me...” 

 

Câmera tremida. 

 

Luz baixa, azulada. 
Chove. 
Goteiras pingam num balde de plástico rachado. 

 

A câmera acompanha

Lázaro, 41, de costas,

caminhando por um corredor

estreito de um prédio decadente. 
Veste uma camiseta velha

com estampa desbotada

e uma bermuda furada. 

 

Seus pés descalços tocam o

chão gelado e úmido. 

 

Ele carrega uma sacola de

supermercado com um pão dormido,

dois ovos, um frasco de clonazepam e

um desodorante vencido. 

 

Corta para: 
Interior da quitinete. 
As paredes descascam. 
A TV antiga ligada sem som

mostra um telejornal sobre inflação,

guerra e desaparecimento

de jovens periféricos. 

 

Lázaro coloca a sacola sobre a mesa. 
Fica alguns segundos imóvel. 
A câmera fecha no rosto dele. 
Olhos fundos. Mas vivos. 
Como se dissesse: "Ainda tô aqui." 

 

🎵 “And if I only could... I'd make a deal with God...” 

 

Ele gira o botão do fogão com força. 
O fósforo demora a acender. 
Na quarta tentativa, a chama surge. 

 

Plano fechado na chama. 
Depois no rosto dele: 
ele sorri. Pouco. Mas sorri. 

 

Enquanto o ovo frita, ele dança levemente. 
Um passinho só dele. 
Quase imperceptível. 
Um ritual íntimo contra o fim. 

 

A câmera sobe para o teto enquanto

ele dança com os pés sujos,

o rádio chiando e o som

de chuva invadindo a cena. 

 

🎵 “Be running up that hill... with no problems...” 

 

Tela preta. 
Letreiro em branco: 

 

[⚡ CAPÍTULO 15 – RESILIÊNCIA] 

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I. Resiliência não é otimismo 

 

Resiliência é acordar cedo mesmo sem esperança, 
e ainda assim lavar sua roupa e fazer comida. 

 

É fazer café mesmo odiando o cheiro daquele momento. 
É levantar mesmo com a alma arrastando. 

 

Resiliência é continuar vivendo mesmo quando morrer parece mais honesto. 

 

 

II. A carne que não apodrece 

 

O mundo tentou matar Lázaro de todas as formas: 
– no INSS 
– no hospital psiquiátrico 
– no amor tóxico 
– na ausência financeira do pai 
– na indiferença de um país que odeia gente quebrada 

 

E mesmo assim, a carne não apodreceu. 
Ela virou couro grosso, sagrado & sensível. 
Como tambores de terreiro que continuam batendo na noite mais longa. 

 

 

III. A fé é a reincidência do corpo 

 

Resiliência é corpo reincidente. 
É insistência da carne. 

 

Mesmo depois do surto, do exílio, da vergonha pública, 
o corpo insiste. 
Quer dançar. Quer transar. Quer rir com os amigos. 
Quer inventar uma nova razão pra continuar. 

 

Não por fé no futuro. 
Mas por amor ao agora. 

 

 

IV. A alegria como desobediência 

 

Resiliência é rir no enterro. 
É fazer meme da própria tragédia. 
É dançar funk com o laudo na mochila. 

 

É ir de cropped pro CAPS. 
É gritar “EU EXISTO” dentro de um busão lotado às 18h. 
É levar flores para o próprio quarto sujo e bagunçado. 

 

É sorrir torto e dizer: 
— "Vocês não me matam hoje, não mais." 

 

 

V. A resistência que não pede aplauso 

 

Resiliência não é performance. 
Não é thread no antigo Twitter. 
Não é vídeo motivacional com trilha de piano. 

 

É feio. É bagunçado. 
Às vezes, é só: 

 

  • você tomando banho chorando, 
  • ligando pra farmácia pra pedir o remédio, 
  • desligando o celular pra não enlouquecer, 
  • respondendo “ok” quando o mundo pergunta se tá tudo bem. 

 

E tá tudo bem não estar. 
Mas tá tudo certo continuar. 

 
VI. O pacto com os vivos 

 

Lázaro segue vivo por quem já morreu — 
e por quem ainda vai nascer. 

 

Por quem segurou sua mão no surto. 
Por quem respondeu "eu te amo" mesmo na crise. 
Por quem ficou. Por quem vai ficar. 

 

E por quem ainda não chegou, 
mas vai chegar. 
E vai ver um mundo um pouco mais respirável, 
porque ele resistiu. 

 

 

VII. Fecho – Manifesto de um corpo resiliente 

 

“Eu já desisti de mim várias vezes. 
Mas o mundo nunca desistiu. 

 

Eu já quis ir embora. 
Mas o amor me puxou de volta. 

 

Não sou forte. 
Sou teimoso. 
Sou um erro insistente, uma fagulha suja que insiste em acender. 

​​​​​​​

E talvez isso já seja milagre suficiente pra hoje.” 

🕊️ INTERLÚDIO — ENTRE RESILIÊNCIA E LIBERDADE

🎧 ao som de “Dê um Rolê” – Gal Costa 

 

Resiliência é ficar. 
Liberdade... é quando você escolhe ficar por querer, e não mais por obrigação. 

 

Depois de tanto sobreviver, 
Lázaro começa a ouvir um novo tipo de silêncio. 
Não aquele da dor abafada — 
mas o silêncio que anuncia que algo está mudando. 

 

Ele abre a janela. 
O vento bate. 
O céu está limpo. 
E pela primeira vez em muito tempo, ele não pensa em morrer. 
Pensa em sair. 

 

Andar sem rumo. 
Andar por andar. 
Com a calça surrada, o baseado no bolso, 
o celular sem bateria e o peito cheio de nada — 
mas sem peso. 

 

Talvez essa seja a liberdade possível: 
um rolê sem destino. 
Um corpo sem culpa. 
Um riso sem plateia. 

 

Porque depois que você se arrasta pela dor, 
andar leve 
é um milagre radical. 

 

Ele pega a chave. 
Sai. 

 

E deixa a porta aberta. 
Só pra garantir que pode voltar.