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Lucca Picon

✴️ CAPÍTULO 1 – AMOR

ao som de “Pumped Up Kicks” – Foster the People 

 

Um carro fúnebre passa enquanto ele assovia

 

vindo em minha direção, tão sexy quanto minha enorme ereção: 

 

Primeiro, envolva-o com sombras. 
Diga que és um escolhido por Deus. 
Dê uma missão para matar e morrer por ela. 
Esta é a Cruz, ela é invertida. 
Este é teu nome, de santo e de batismo. 
Que comecem a dançar. 

 

Lázaro caminha pela Paulista como quem atravessa um batismo ao contrário.

 

Na calçada, jovens dançam break em um tapete xadrez.  

 

Os prédios ardem em silêncios elétricos. 
As luzes dançam sobre poças que refletem futuros possíveis. 
É sexta-feira 13, e a lua está em Peixes. 
As festas estão tristes. 
Mas o mundo respira — e é isso que importa.

 

PELA MANHÃ: 

 

Ele lê um horóscopo antigo no jornal amassado de um camelô: 
“Hoje o amor pode surpreender. Estar em qualquer esquina. Cuidado com o que você invoca, pois vai te encontrar e te sugar anos de juventude...” 

 

Ele ri. 

 

Acende um cigarro. 

 

O corpo ainda carrega o suor da tarde, o sal da ansiedade e um resquício de perfume emprestado. 

Vai ao encontro de algo que não entende, mas que já o consome.

 
Na frente do Masp, o tempo dobra. 
As pessoas passam como vultos, como memórias futuras. 
E então ele surge. 

 

o guri. 

 

Magro. 

 

De casaco vermelho e calça jeans escura. 
Olhos verdes, molhados como nascente. 
Cabelos pretos, rebeldes como promessa. 
Alto, estranho, delicado. 
Parecia não saber que o próprio corpo era um convite à desgraça. 

 

*Foi quando comecei a desconfiar, enquanto ele vinha em minha direção, que aquele guri, com nome de anjo, parecia não ser um primeiro encontro, mas uma lembrança recuperada em vidas passadas. 

 

Fomos nos encontrando em olhares mais apertados, num paradoxo cósmico que nem nós entendemos — em que a alma arrepiou & parecia ressuscitar algo quase enterrado. 

 

Mas naquela noite de horror, estas palavras não existiam ainda — apenas uma sensação estranha no meio de um temporal com trovoadas de emoções tardias em angústia velada.* 

 

Entram no carro de um amigo.

Ele no banco de trás. Lázaro à frente, sorri de lado.

Através do espelho, tentam se encontrar sem se assustar. 

 

— Oi.

— Desculpa o atraso.

— Abaixe o pino da porta.

— Tá meio frio hoje, né?

— Se importa se eu fumar?

— Sou do Rio… ainda meio perdido.

— Desculpa o atraso.

 

O mundo está em silêncio agora. 

 

Só se ouve uma música chiada, o ronco do motor e o coração pulsando como um animal preso. 
Eles seguem rumo a um cinema velho na Augusta — uma maratona de horror, seu melhor álibi. 
Nas telas: sangue, gritos, monstros. Roman Polanski & Sharon Tate. 
Nas cadeiras: mãos tímidas se aproximam, tentando encontrar abrigo uma na outra. 

 

Pela primeira vez, no escuro de nós dois. 
Assim meio de mansinho, bem de leve, pau ereto preso por dentro da calça, para não machucar aquela pele macia. 
Eu peguei suas mãos entre o deslizar de sensações ao calor do toque — que à essa altura, também se reconhecem; como se sempre tivessem se acariciado, sem nunca terem se tocado. 

 

De seus belos lábios um silêncio telepático me transportava. 
Em coisas de abraços apertados, retratos do antigamente, e cores vivas de lençóis com perfumes delirantes. 
 Coisas do futuro. Em tons de cores saturadas. 
 Depois da lua vagar obscura por aquelas nuvens de sexta-feira e nos guiar por fim; 

 

ao

meu

quarto.

 

O quarto está em meia-luz. 
Velas tremem. 
Violão chorando Dallas Green no fundo. 
Perfume no ar — algo entre pecado e sândalo. 

 

*Inventamos um delicado pecado que foge das formas, arrebatando sílabas à garganta, aos ardentes pulsares que carbonizavam as virilhas em glandes fervilhantes – planícies que devoram paisagens orgásticas se formando nas mãos. 

Boca na boca, injetando confidências latentes, tesão lentamente incendiado.

 

Desejos desmedidos, hospedeiros, na circunferência das sombras. 
Ressoam no desnudar doutro oceano subterrâneo em nossas almas; rugidos extintos no sêmem explodem. 
E sozinhos voávamos – enquanto tudo lá fora esperava. 

 

Passa um comercial do anunciante, 

 

Eu confessei que o amava – sem nenhuma palavra.* 

 

Não era necessário falar. 
Os suspiros eram idioma. 
O corpo, evangelho. 
A dança, oração. 
Aquela noite foi êxtase e anúncio. 
A primeira queda. 
O primeiro milagre. 

 

Depois. 


O quarto vazio. 
A cama ainda quente. 
A cidade amanhece com gosto de véspera. 
E Lázaro escreve em sua caderneta suada, em letras trêmulas: 

 

“O amor vai me salvar!” 

 

“Éramos um delírio em chamas crescentes. E a febre dquela noite ainda não passou.”

 

 

[FIM DO CAPÍTULO 1 – AMOR] 

 

.: INTERLÚDIO :.

ENTRE O AMOR E A FÉ

 

Ele veio e me tocou com a ponta dos dedos como quem faz o sinal da cruz ao contrário. 

 

E eu deixei. 

 

A febre ainda ardia no colchão - e no calção. 

 

No lençol, o perfume dele, 

e na pele, o gosto do pecado feito carne viva — a minha. 

 

Agora, silêncio querido. 

 

Meu corpo é um altar sujo. 

 

Acendi uma vela branca, 

 

para me limpar,

 

mas a chama piscou como se estivesse sendo vigiada. 

 

Apagou...

 

Eu pedi desculpas a um Deus que nunca me respondeu. 

 

Eu me confessei de joelhos, pelado, de frente pro espelho. 

 

E a voz que me respondeu não era divina, 

 

era uma voz minha — 

 

mais funda, mais antiga, mais sombria.

 

Ela disse: 

 

“Você ainda acredita, meu filho?” 

 

E assim começa a fé. 

 

Não como salvação. 

 

Mas como dívida do pecado.